A controvérsia acerca do divórcio no mundo cristão tem sido
interminável. Centenas de escritores têm se expressado a respeito, e ele tem
sido debatido em concílios e convenções denominacionais há séculos, mas nosso
povo ainda continua sem entendê-lo bem.[1]
A declaração acima de Duty resume bem a questão sobre o divórcio na
igreja evangélica brasileira. O autor dedicou quatorze anos estudando sobre a
possibilidade de um novo casamento para a parte inocente, vítima da
infidelidade conjugal. Destacamos ainda a seguinte declaração de Duty:
O divórcio não escriturístico é um dos grandes perigos de nossos dias.
Muitas das igrejas modernas são tão lassas em sua aceitação do divórcio como o
foram os fariseus dos dias de Jesus, que permitiam a separação por “qualquer
motivo”. Rejeitamos e detestamos este tipo de divórcio “hollywoodiano” Acredito
que devemos estabelecer princípios rígidos contra o abuso do divórcio, e
devemos ater-nos às Escrituras, permitindo apenas aquilo que elas permitem.[2]
Após uma profunda análise exegética nas Escrituras, Duty chegou a
conclusão de que o divórcio, que implica na dissolução do casamento e na
possibilidade de casar de novo, só é permitido para a parte inocente no caso de
adultério (Mt 5.31-32; 19.3-12; Mc 10.1-12) e no caso do cônjuge descrente
tomar a iniciativa de abandonar o crente (1 Co 7.10-15).
Nos dias atuais, no meio evangélico brasileiro, há inúmeros casos de
pastores e de ovelhas que se divorciaram sem se enquadrarem nos casos bíblicos,
e que se casaram novamente. Há também as questões práticas que envolvem o
divórcio. Sobre isso o pastor Esequias Soares comenta de maneira bastante
pertinente:
O problema do divórcio não se resume ao que temos visto até agora. Há o
lado prático, extremamente complexo e, em muitos casos, de difícil conclusão
[...]. O Senhor Jesus disse que quem casa com o cônjuge divorciado ou
divorciada, que tenha sido a parte infiel no primeiro casamento, comete
adultério. Assim ambos estarão em adultério (Mt 19.9; Mc 10.11, 12). Como a
Igreja pode receber em comunhão uma pessoa que cometeu adultério, destruiu o
próprio lar, depois vem com outro cônjuge pedir a sua reconciliação com a
Igreja, visto que à luz da Bíblia ambos estão em adultério? Será que não há
reconciliação para situações dessa natureza? A Bíblia nada declara sobre isso.
Afirma apenas que eles estão em adultério, mas não diz se a situação é
irreversível. Fica difícil generalizar, pois cada caso é um caso. Em situações
extremas, cabe ao pastor da Igreja analisar cada situação.[3]
Sem dúvida alguma, as questões de ordem prática levantadas pelo pastor
Esequias Soares são bastante delicadas, e fazem parte do cotidiano das igrejas
locais. Faço aqui algumas considerações:
“Como a Igreja pode receber em comunhão uma pessoa que cometeu adultério,
destruiu o próprio lar, depois vem com outro cônjuge pedir a sua reconciliação
com a Igreja, visto que à luz da Bíblia ambos estão em adultério?”.
É no mínimo bastante constrangedor para a igreja local lidar com tais
situações, principalmente quando a parte ofendida ou inocente congrega na mesma
igreja onde o casal de adúlteros busca a reconciliação. Sempre que os
princípios e mandamentos bíblicos são quebrados, as consequências negativas e
constrangedoras são inevitáveis.
“Será que não há reconciliação para situações dessa natureza? A Bíblia
nada declara sobre isso. Afirma apenas que eles estão em adultério, mas não diz
se a situação é irreversível. Fica difícil generalizar, pois cada caso é um
caso. Em situações extremas, cabe ao pastor da Igreja analisar cada situação”
É fato que a Bíblia não trata com detalhes sobre a questão da
reconciliação dos casais em adultério por parte da Igreja, mas especifica a
situação daqueles que estão nesta condição em relação ao Reino de Deus:
Não sabeis que os injustos não hão de herdar o Reino de Deus? Não
erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os
efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados,
nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus. E é o que
alguns têm sido, mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas
haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus.
(1 Co 6.9-11, ARC)
Em se tratando de questões práticas, entendo que há situações em que o
pastor e/ou a igreja local desligam ou excluem pessoas do rol de membros, mas
estas permanecem com os seus nomes escritos no Livro da Vida, em plena comunhão
com o Senhor. Quantos já não foram excluídos injustamente por motivos banais,
por razões que não envolve transgressão contra a Palavra e pecado (por exemplo,
os que são alvos de acusações e calúnias não apuradas devidamente)? Por outro
lado, há também os que são reconciliados pelo pastor e/ou igreja local, mas que
podem ainda estar separados de Deus em razão da posição da igreja não estar em
linha com os princípios, fundamentos e mandamentos bíblicos.
Uma coisa é certa, como bem afirma o pastor Elinaldo Renovato na
conclusão da Lição Bíblica: "Precisamos tratar cada caso de modo pessoal
sempre em conformidade com a Palavra de Deus". Sem dúvida alguma,
“cada caso é um caso”, mas todos os casos estão debaixo da autoridade final das
Escrituras. Em se tratando de divórcio, as exceções e condições são aquelas
aqui já expostas. Fora disso, o pastor e/ou a igreja podem até reconciliar o
casal em adultério, mas a palavra final no assunto é a do Senhor, o justo juiz
(Sl 7.1; Lc 18.7-8).
Se a reconciliação de um casal em adultério feita pela Igreja for aceita
diante de Deus, este casal será aceito também no Reino de Deus, em sua
realidade presente, futura e eterna. Neste caso, o texto de 1 Coríntios 6.9-11
deveria ser desconsiderado? Deveria ser entendido como uma questão válida
apenas no contexto imediato dos destinatários da epístola?
É preciso ter cuidado para não incorrermos no excesso de justiça, nem no
excesso de misericórdia. É necessário estar alerta para não fecharmos portas,
nem também escancará-las. A graça precisa sempre ser considerada, mas nunca
banalizada.
Vale ainda lembrar que o divórcio, nos casos de infidelidade conjugal,
não se trata de um imperativo, mas de uma permissão. A parte inocente ou
ofendida pode, se assim desejar, entendendo que é o melhor a fazer, perdoar o
cônjuge infiel, e contar com a graça de Deus na restauração e manutenção de seu
casamento e família.
Por fim, nunca devemos esquecer que em relação ao divórcio, Deus o
odeia:
Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio e aquele que
encobre a violência com a sua veste, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto,
guardai-vos em vosso espírito e não sejais desleais. (Ml 2.16, ARC)
Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio e também aquele
que cobre de violência as suas vestes, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto,
cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis. (Ml 2.16, ARA)
Pois aborreço o divórcio, diz Jeová, Deus de Israel, e aquele que cobre
de violências os seus vestidos, diz Jeová dos Exércitos. Portanto, guardai o
vosso espírito, para que não vos hajais aleivosamente. (Ml 2.16, TB)
Eu odeio o divórcio, diz o Senhor, o Deus de Israel, “e também odeio o
homem que se cobre de violência como se cobre de roupas”, diz o Senhor dos
Exércitos. Por isso tenham bom senso; não sejam infiéis. (Ml 2.16, NVI)
Pois o SENHOR Todo-Poderoso de Israel diz: — Eu odeio o divórcio; eu
odeio o homem que faz uma coisa tão cruel assim. Portanto, tenham cuidado, e
que ninguém seja infiel à sua mulher. (Ml 2.16, NTLH)
Como bem nos diz a citação no início deste artigo, as controvérsias e
discussões em torno do assunto são intermináveis e centenárias.
Cabe a nós orarmos e agirmos, para que os altos índices de divórcio
diminuam em nossa nação e entre os filhos de Deus.
Sobre o divórcio no caso de pastores recomendo a leitura do texto de
Augustus Nicodemus, conforme link abaixo:
[1] DUTY, Guy. Divórcio e novo casamento. 2. Ed. Venda Nova-MG:
Betânia, 1979, p. 11.
[2] Ibid. p. 13.
[3] SOARES. Esequias. Casamento, divórcio & sexo à luz da
Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 59-60.